Questão de verdade ou política? Um olhar sobre a crise

Nunca como nos últimos dias – precisamente mais de 500 – temos ouvido repetitivamente a palavra crise. Diariamente, em todos os horários, nos vários meios de comunicação, o termo coloca em cheque um drama não tão atual, que já se encontrava desde os tempos da escrita da Sagrada Escritura, e até mesmo bem antes. Esta palavra em seu original grego assume uma tradução múltipla, tais como: distinção, decisão, sentença, juízo, separação. Um cenário que não se limita a locais, mas ultrapassa fronteiras e tempos. Detenho-me, contudo, ao cenário atual do Brasil. O problema aqui é também um problema de identidade, uma perda no senso profundo da mesma. Acredito que daqui derivem em grande parte os problemas relacionados ao social: crise de identidade. Não penso – e nem tenho competência – em dar uma resolução às questões essenciais que maculam a história do país com a má-administração e a inassiduidade de caráter. Estes deveriam suscitar o bem comum e a estabilidade, não apenas das estatais e das cotas de inflação, mas de todo o povo que os elegeram como representantes; não tiranos. Desejo provocar – positivamente – dois aspectos: corrupção e o Estado.

1. A política quando não serve ao bem comum torna-se tirana; e sua tirania incide diretamente contra a verdade, trazendo consequências muitas vezes irreparáveis. Quem não se recorda da ideia de Hitler, apresentada em primeiro momento como “boa”, mas de fundo inumano e malicioso? Em si, quem não gostaria de criar uma sociedade pura, livre da desumanidade e das divergências tão contundentes? Sentimos como que as palavras de São Paulo a nos instigar nessa purificação, nos convidado a ser “irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo” (Fl 2,15). Mas o erro de Hitler foi reduzir o homem a correntes étnicas e a sua sexualidade, negligenciando por má-fé que a verdadeira purificação não deve ser feita entre negros e brancos, judeus e não-judeus, alemães ou poloneses. E desta forma o seu plano evoluiu para o campo da demência e da psicopatia. O autoritarismo tomou o lugar da verdade e os campos de concentração passaram a ser o lugar da expressão daquilo que de pior pode haver no homem. Penso que se quisermos realmente renovar a humanidade, não o faremos impondo isso, mas propondo-lhe a partir de dentro, do interior e da consciência de cada um. Nesta sociedade, não mais veremos o dramático e desumano cenário da condução para Auschwitz. Ao invés, seremos todos conduzidos para o esplendor que emana da verdade.

O dever de exercer a política era, para os gregos, uma questão sobretudo moral e de obrigatoriedade do cidadão, que implicava no uso da razão e das virtudes naturais, aquelas quatro cardeais: prudência, temperança, justiça e fortaleza. Como ainda se pode nutrir esperança quando evidenciamos que há muito a moralidade deixou de passear nos recintos políticos? Ou mesmo sabendo que “em um mundo sem pontos fixos de referência não existe mais direção”[1]. No máximo nos deparamos com vícios que são antônimos de virtudes. Pensar numa tirania neste cenário não deveria nos surpreender. Não mais uma tirania aberta como o nazismo e o comunismo, com os seus respectivos 6 e 100 milhões de mortos, mas uma execução silenciosa que mata antes de tudo a nossa esperança. Não quero igualar o sistema abusivo e absurdo do nazismo e do comunismo com a realidade atual, mas encontramos aqui um denominador comum: numa sociedade que faltam virtudes, sobram vícios, e a esperança – num olhar ulterior – é sempre suprimida pela ignominiosa sede de poder.

Santo Tomás de Aquino já advertira para que não permitíssemos que a nossa consciência se pusesse como nosso juiz, mas reconhecesse haver uma lei que a supera. Esta lei não é dada pela natureza no acaso; é ali posta desde a nossa origem. Por isso, a política não pode reivindicar para si um direito que não lhe compete, mas é a primeira a inserir-se também nestes aspectos delimitativos: lei divina e lei natural. A corrupção, para além de um vício, é uma injustiça que fere os princípios da lei humana, da lei natural e da aplicabilidade da justiça. Os seus praticantes parecem nos dizer: “Vejam! Nós zombamos da vossa boa vontade, dos vossos direitos e da nossa liberdade. Não estamos sujeitos aos vossos parâmetros”.

Aqui vem-me a mente o conceito que o mesmo citado Santo nos apresenta ao tratar da justiça, que já havia ganhado forma em Aristóteles: “justiça é dar a cada um o que lhe pertence”. Podemos apropriar-nos do que não nos pertence? Obviamente não; e a tentativa de fazê-lo se configura como uma ferida contra o sétimo mandamento. Mas é também um atentado a Constituição do País e ao Código Penal. A corrupção se configura, assim, como uma deformação do caráter e da natureza do homem porque viola um dos preceitos fundamentais de ordem natural: não furtar. Diria ainda tratar-se de um atrofiamento da consciência. Sem limites, o ser humano passa a ver-se como o próprio limite.

2. Diante desta exposição superficial, para não ir em profundidade, limito-me a tratar mais um aspecto incisivo na sociedade. É grande o drama humano, já o disse, no descaso consigo e com a verdade. Em última instância diria que ela parece tornar-se uma questão sempre mais pesarosa e inalcançável, mesmo que reconheçamos o influente papel de bons cidadãos e cristãos. Ainda com isso, não parece que tenham sido dados largos passos. A verdade, sobretudo no cenário político, parece limitar a ação dos que querem usar do poder para perpetrar ações injustas; por isso ela lhes parece não ser vantajosa. A dor que ela suscita não é sanada com algum remédio, mas com a própria reparação do mal.

O Estado deve ser o agente principal no combate contra a corrupção. Seu papel é de sustentar o bem comum e a ordem. Mas pode organizar-se quem não está organizado? O conceito e o papel do Estado foram laboriosamente formulados pelos gregos e trabalhados ao longo dos séculos pelos filósofos cristãos ou não cristãos. Tudo agora parece dinamitar-se na deturpação dos papeis e na execução abusiva dos mesmos. Santo Agostinho nos propõe o conceito de duas cidades: Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. A definição da cidade de Deus seria a nossa ideia de eternidade, paraíso. Um lugar onde impera a perfeição e a imortalidade. A segunda é marcada pelo pecado original, concupiscível e perecível, na qual estão os vícios e as paixões.

Todos estamos nesta “balança” entre o local de Deus, a sua morada, e a “prisão” nesta vida terrena, com todas as suas aparentes atrações. É de nos surpreender que diante de toda a situação histórica da queda de Roma, a invasão dos bárbaros, o confronto com os cristãos, Agostinho nos apresente o Estado com uma função ético-moral, que seja capaz de promover a paz temporal e a felicidade. Promover a paz relaciona-se diretamente às necessidades básicas de um sistema político para com os membros de uma sociedade. Isaías em sua descrição dos novos tempos reafirma a promessa de paz. Era certamente o anseio de um povo que acabara de sair do exílio babilônico: “A justiça produzirá a paz” (32,17), escreve ele. Contudo, a justiça não pode ser autossuficiente. Ela “sozinha não se basta; e pode mesmo chegar a negar-se a si própria, se não se abrir àquela força mais profunda que é o amor”[2].

Sem dúvida, diante da dramática situação da política – particularmente no Brasil –, devemos retomar a consciência de que não se podem subtrair as virtudes morais da sua conduta basilar. A política não tem a última palavra sobre o homem. O seu papel é a conscientização dos cidadãos e a organização do Estado, reconhecendo os seus limites diante da justiça, das virtudes cardeais e do direito divino e natural. Se não convém que procuremos implantar um sistema de teocracia hoje, que a meu ver já não tem suporte a oferecer na suficiência do quadro atual, menos ainda se pode dar espaço ao positivismo, que não reconhece nada acima de si.

Como recordei ao início, desejei apenas suscitar uma provocação nestes dois aspectos para recordar que o nosso foco está muito detido nas estatais, mas quase nada se diz ou se pensa sobre o homem, quem comente tais delitos. O problema está além dos bilhões roubados, está no interior dos nossos governantes e do nosso sistema político que já se afeiçoou a corrupção. Recordo as palavras, endereçadas sobretudo aos políticos, com as quais inicia-se o livro da Sabedoria: “Diligite justitiam qui judicatis terram ­– Amai a justiça, vós que governais a terra” (1,1).

Espero não ter sido invasivo demais para forçar uma mudança ou evasivo demais para não suscitar o desejo de que, colocando a mão na consciência, se reconheçam como cuidadores do Estado, não como fidalgos. Votos de uma boa “re-conscientização”.

[1] Joseph Ratzinger, O Elogio da Consciência. Discurso pronunciado em 1991, durante a lectio magistralis na Università degli Studi, em Siena, na Aula Magna do Reitorado. Encontrado em Ser Cristão na Era Neopagã, vol. 1. 1º ed., p. 98.

[2] João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2004, 10.

Ideologia de gênero: A criatura confabulando contra o Criador

Caros irmãos,

Saudação e paz no Senhor!

  1. Posicionamento dos católicos

Sobre a ideologia de gênero muito terá a se falar durante o percurso da história e dos aspectos biológicos. Mas confesso estar assustado com a reação de determinados grupos “católicos” com relação aos posicionamentos dos Bispos e da Igreja mediante tais questões.

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Ressuscitados com Cristo e em Cristo

Dic nobis Maria/ Quid vidisti in via?/ Sepulcrum christi viventis/ Et gloriam vidi resurgentis – Diz-nos, Maria/ Que viste no caminho?/Vi o sepulcro de Cristo vivo/ E a glória do Ressuscitado” (Sequencia Pascal).

Tendo transcorrido o período quaresmal em práticas penitências, lágrimas e orações, agora queremos comemorar com o Ressuscitado a nossa vitória. Também nós, com Ele, devemos ter a certeza que não seremos jamais abandonados, mas que o Senhor zela por nós, nos ama e nos convida a sermos partícipes da sua glória.

Sim, queremos hoje ver, também nós, a “glória do Ressuscitado”. A sequencia pascal expressa o desejo que brota de todo cristão que ouve a boa notícia da ressurreição. O Senhor, que jazia no sepulcro, que por nós padeceu e morreu, agora vence a morte; destrói o pecado. E desse memorável dia deriva a verdadeira libertação que só o Cristo pode dar-nos. Não obstante as formas apresentadas pelo mundo, que se propõe como pretenso salvador, suas vias podem até oferecer uma felicidade momentânea e uma aparente finalidade salvífica, mas que logo se atrofiarão e perecerão. É Deus, de fato, Aquele capaz de descerrar para o homem as vias da verdade, que o leva à perene esperança e a um conforto como aquele que os anjos ofereceram às mulheres.

Mas o mesmo Deus que oferece o conforto é também Aquele que oferece o confronto: o confronto do homem consigo, com a sua autossuficiência e pretensão; confronto sobretudo de vontades. O homem não pode sujeitar Deus à sua vontade, mas sujeitar-se à vontade de Deus. Essa é a verdadeira Páscoa pela qual nós passamos hoje: A Páscoa de submetermos nossas vontades ao querer de Deus. Por isso São Paulo nos dirá: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto” (Cl 3,1).

Alcançar as coisas do alto é o anseio do homem contemporâneo, embora não de todos. Pensamos sobretudo nos anseios de paz daqueles povos que padecem tribulações. A paz do Ressuscitado reine sobre o Oriente Médio que vive momentos de conflitos, de modo particular aqueles causados pelo radicalismo religioso. Que a misericórdia de Deus restaure as feridas causadas pela guerra e leve ao respeito pela liberdade religiosa e cultural da população.

Pedimos também pelo Egito e por toda a população africana. Que o Senhor ressuscitado conforte os povos sofridos pelas perseguições e ameaçados pelo cenário político ou religioso. Que as etnias alcancem a paz, verdadeiro dom para a humanidade.

O Senhor instaure a paz também à Ucrânia, ao Líbano e aos demais Países que sofrem por conflitos armados.

Que o Cristo Ressuscitado nos ilumine com a sua luz fulgurante. Que Ele nos livre das diversas formas de destruição daqueles que se apoiam sobre a força física para fazer valer a sua vontade. Que o acontecimento da ressurreição nos faça mostrar aquilo que de fato é o plano de Cristo: um plano de amor. Que seja a Virgem Maria a nos ajudar nesse caminho.

Feliz e Santa Páscoa!

A crise moral: massageando o ego para aliviar a consciência

Vivemos numa sociedade marcada por um forte estereótipo de ser a grande portadora da verdade. Homens se julgam capazes de oferecer bem e mal, verdade e mentira. Consequências desastrosas estas. Tornou-se quase que ilimitável esta capacidade racional que se põe a disposição do mal, da libertinagem e do relativismo.

Hoje pela manhã, durante o meu estágio na área de Filosofia, deparei-me com uma temática muito interessante e atual; um tema, de fato, que intriga o homem contemporâneo fazendo-o repensar o seu conceito de vida e de liberdade: Eutanásia. Moralmente e religiosamente falando ela é inaceitável, uma vez que a vida constitui-se como dom singular e particular de cada pessoa. Violar este direito é ferir a própria liberdade do homem e a sua capacidade de escolha. Tantas escolhas… Somos a todo instante oportunizados (ou tentados) a fazer escolhas que possam privilegiar o nosso ego. Nem sempre queremos o correto, afinal, para quê conviver com a verdade dura se podemos viver com uma mentira suave? É aquele famoso ditado: massageando o ego. Portanto, eu sou dono do meu corpo; eu ajo como bem achar melhor; eu tenho liberdade de escolha… eu, eu eu… Jamais se pensa no outro. Até onde vai a minha liberdade, então? Por ser dotado de um livre arbítrio eu posso ferir a liberdade e o direito de alguém?

Não quero expor aqui nenhuma visão doutrinária especificamente neste artigo, mas simplesmente desejo sublinhar um pensamento enquanto homem e cristão; um pensamento muito particular.

Procurei – depois de explicar à sala a questão da eutanásia e expor por alto o pensamento da Igreja – fazer uma leitura humana e ética da vida. A vida constitui-se não somente como dom de Deus, mas como direito inalienável de todo ser humano. Fiz então uma comparação: Um determinado sujeito, insatisfeito com a vida, resolve suicidar-se. Você é chamado ao local para que possa fazer algo. Certamente, assim quero crer, você não iria levar uma corda para entregar ao “des-graçado” (no sentido pleno da palavra: que está sem a graça; que não possui a graça). O que você poderia fazer, em seu gritante lado humano, é tornar en-graçado aquele que está sem graça, isto é, mostrar o sentido mais belo e profundo da vida; um lado que todo homem só descobrirá quando re-descobrir (ou descobrir, se ainda não conhece) o seu próprio valor. (Perdoem-me os “joguetes” com as palavras, mas elas também me en-graçam).

Tentei mostrar aos jovens que a vida é passível de uma dinamicidade natural. Colocar-se em favor da eutanasia é estar a favor do aborto, do suicídio, dos crimes hediondos, do vazio. Pobre mundo vazio! Estúpido vazio no mundo! O único vazio que eu vejo entupir… vidas, ideias, expectativas, sonhos, fé. Tudo que sobeja lacuna termina em vazio. O homem sobejou uma lacuna para Deus e perdeu sua referência de fé e de religião; sobejou uma lacuna para si e perdeu o seu sentido existencial; sobejou uma lacuna no outro e perdeu o seu sentido de unidade e respeito mútuo.

“Mas nós somos donos do nosso corpo”; “nós somos livres pelo direito de decidir”; “nós temos livre arbítrio”. Eu retruco perguntando: isso é um fato? É fato que temos domínio sobre nosso corpo? Então ótimo! Posso controlar a hora que quero adoecer, hora de cortar o cabelo, hora de envelhecer ou até mesmo ser imortal. Fatos não deixam espaço para possibilidades. Fatos não apresentam margem ou lacunas. Mas é fato – e muito triste! – que o homem já não se conheça mais.

Globo e Babilônia: sinônimos da libertinagem, ou: O dia em que Noé pôs os animais na arca

Liberdade e libertinagem possuem conceitos bem distintos entre si. As duas possuem o mesmo radical, mas sufixos diferentes, o que dá uma conotação bem diversa às duas. O radical liber é traduzido como livre, mas o sufixo atis é o mesmo que atos. Já a libertinagem é oriunda da língua francesa. Enquanto a primeira traduz-se como livre ato, a segunda apresenta-se como devassidão, e foi esta última que a Globo apresentou uma vez mais em sua novela.

A começar pelo título já não muito atrativo e pesado: Babilônia. Mas não é isso mesmo que estamos presenciando? Talvez agora eu devesse indagar os irmãos de outras religiões que afirmam que a Igreja Católica é a Babilônia do Apocalipse: o que poderíamos falar da Rede Globo? Ela sim mais parece a Babilônia, uma vez que deprecia os autênticos valores éticos e infiltram cenas como a que se viu ontem (16) entre a Fernanda Montenegro e a Nathália Timberg. Preferi não assistir, mas infelizmente nem sempre os “facebookianos” sabem filtrar conteúdo.

Para falar de uma novela com um título tão esdrúxulo, deveríamos pensar, antes de mais, no que foi a Babilônia. Acredito que todos saibam da sua história, mas não nos custa relembrar.

A Sagrada Escritura nos faz menção diversas vezes deste reino, sobretudo no livro de Daniel e Isaías. O reinado de Nabucodonosor apresentou-se como um tempo doloroso na história de Israel, de forma rígida e perversa o rei governava e ordenava que fossem adorados os seus deuses em lugar do Deus de Israel. Tempos difíceis do exílio no qual o povo de Israel permaneceu firme ao Senhor e por isso obtiveram libertação. Por longos anos prevaleceu a imoralidade e a idolatria no reino, até que Ciro II da Pérsia a destruiu, em 539 a.C. Jeremias, por último, relata sobre a queda de Babilônia: “Num momento caiu babilônia, e ficou arruinada; lamentai por ela, tomai bálsamo para a sua dor, porventura sarará. Queríamos curar babilônia, porém ela não sarou; deixai-a, e vamo-nos cada um para a sua terra; porque o seu juízo chegou até ao céu, e se elevou até às mais altas nuvens”. (Jr 51, 8-9).

Não muito diferente é o contexto atual. Vemos que no mundo ergue-se uma nova Babilônia: da imoralidade, do poder, da corrupção, das idolatrias, da libertinagem. Insisto em falar sobre liberdade e libertinagem porque as duas, embora tenham radicais parecidos, são destoantes em definições. A verdadeira liberdade não é propagada com a demagogia da libertinagem, mas vê-se como uma consciência do homem diante das responsabilidades que deve assumir como criatura de Deus. O Concílio Vaticano II ao aludir a uma autêntica prática do bem, afirmou: “Só na liberdade é que o homem se pode converter ao bem” (Gaudium et Spes, 17).

A liberdade também não é “licença” para que o homem aja como bem entender, mesmo para o mal, contanto que lhe agrade. Essa “sede” de liberdade é fomentada de forma errônea e prejudicial, não só ao espírito mas também à própria conjectura social e natural da humanidade. A liberdade é em primeiro lugar dom de Deus, um dom inestimável que nos fora concedido para a prática do bem e as escolhas de decisões coerentes. Ninguém é livre para optar pelo mal! O mal não é liberdade, mas é justamente a transgressão da mesma. Quem viola a lei natural e divina não age para a liberdade mas para a degradação e para a inferioridade do gênero humano. Como fonte de um estudo mais profundo sobre este conceito de liberdade, dentre tantas obras, indico a Veritatis Splendor, carta encíclica de São João Paulo II.

Pergunto-me: como a Rede de televisão já mencionada ousa transmitir a Santa Missa do Natal do Senhor, todos os anos, se o que o Papa e a Igreja ali dizem não lhes soa aos ouvidos, ao menos como palavra de conversão? Ao contrário, sempre mais viva é a presença das mentalidades espíritas e da degeneração da família.

Hipocrisia tem limites! Depravação não tem limite porque sequer pode ser tolerada – como vemos desde a Sagrada Escritura. Resta-nos uma conclusão óbvia: Família só existe uma: Aquela que Deus instituiu… E mesmo que o mundo queira, no fim sempre prevalecerá a vontade divina. Pessoas do mesmo gênero sexual não podem constituir um casal. Na Escritura, quando se relata a entrada dos animais na arca de Noé, Deus manda que ele colocasse um casal (macho e fêmea) para que fossem salvos do dilúvio. Não pediu duas fêmeas, nem dois machos. Como escrevi mais cedo no facebook: À homofobia dizem ser “crime”; mas a omissão da Verdade é PECADO. É a segunda que leva ao inferno, não a primeira.

Se o governo ou a militância LGBT achou o meu texto homofóbico então quem está privado de liberdade sou eu, que sequer posso expressar minha opinião, ou melhor, a opinião e Doutrina da Igreja.

Cardeal Müller: “sutil heresia” separar doutrina e práxis

Trazemos ao estimado leitor a tradução da nossa página do discurso do Cardeal Gerhard Müller na abertura da Sessão Plenária da Comissão Teológica Internacional, em 1º de dezembro passado.

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Esta foi sempre a convicção dos Padres da Igreja: que a teologia inicia e, em certo sentido, nasce e se faz na liturgia, na adoração do mistério de Deus e na contemplação do Verbo feito carne. Começando por São Basílio de Cesaréia que em seu memorável tratado sobre o Espírito Santo vê exatamente na liturgia a ocasião e o lugar propício da autêntica reflexão humana sobre a incompreensível teologia e economia da nossa salvação. Se nós, teólogos e teólogas, todos os dias temos, a serviço dos mistérios da fé, a nossa inteligência, as qualidades próprias e o fatigante trabalho, temos, na verdade, antes de tudo isso, necessidade do seu Espírito, da sua inteligência divina que fortifica as nossas pobres buscas humanas. Na liturgia compreendemos melhor como a teologia é fundamentalmente a contemplação do Deus de amor.

Devemos, porém, tomar consciência da exigência e da responsabilidade da inteligência da fé, que de modo especial é confiada aos teólogos e às teólogas, que trabalham na Igreja, pela Igreja e em nome da Igreja. Na Igreja, com o seu trabalho intelectual, realizam uma vocação bem precisa e uma exigente missão eclesial.

A fé cristã, de fato, não é uma experiência irracional. Somos chamados a acolher o convite e o dever, que exprime Pedro, de estarmos “sempre prontos a dar uma resposta a quem vos pede a razão da vossa esperança” (1Pd 3, 15). A teologia perscruta, em um discurso racional sobre a fé, a harmonia e a coerência intrínseca das várias verdades de fé que surgem do único fundamento da revelação de Deus uno e trino. O mistério imperscrutável de Deus, na economia da salvação e por meio desta economia do Verbo encarnado se oferece também à nossa inteligência. Nós, teólogos, somos os guardiões e promotores desta inteligência da fé.

Na mediação cristológica Deus se oferece à nossa razão também na inteligibilidade da sua auto-revelação. A Comissão, com os seus debates e discussões, por meio dos estudos e das reflexões, é um lugar privilegiado de empenho comunitário no dar razão da nossa esperança.

A especificidade da Comissão Teológica Internacional consiste no fato que ela é chamada a perscrutar as importantes questões teológicas a serviço do Magistério da Igreja, em particular da Congregação para a Doutrina da Fé. Nesta dimensão, penso que podemos extrair uma indicação para o nosso “fazer teologia”. A teologia não é nunca uma pura especulação ou uma teoria isolada da vida dos crentes. Com efeito, na autêntica teologia não existe jamais um isolamento ou uma contraposição entre inteligência da fé e a pastoral ou a práxis vivida da fé. Pode-se afirmar que tudo é pensamento teológico, todas as nossas investigações científicas tem sempre uma profunda dimensão pastoral, seja a dogmática, a moral ou as outras disciplinas teológicas, tem sempre uma dimensão pastoralmente própria. Como ensina o Concílio Vaticano II, todo o conhecimento de Deus é bom se é feito em referência ao fim último do homem, para a sua salvação. A sagrada doutrina não é uma página morta, mas, especialmente na especulação dogmática toca sempre aquilo que é decisivo para o caminho da Igreja, que é o caminho da salvação.

Toda divisão entre a “teoria” e a “práxis” da fé seria, no fundo, o reflexo de uma sutil “heresia” cristológica; seria fruto de uma divisão no mistério do Verbo eterno do Pai que se fez carne; seria a omissão da dinâmica encarnacionista de toda sã teologia e de toda a missão evangelizadora da Igreja. Cristo, que pode ser chamado o primeiro teólogo da Escritura, o teólogo por excelência, nos diz: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Não existe verdade sem vida, não existe vida sem verdade. Nele está o caminho para compreender sempre melhor a verdade que se oferece a nós e se faz nossa vida.

Podemos afirmar que o trabalho da Comissão, o seu estilo de trabalhar, é sempre caracterizado por um profundo espírito comunitário, de fraterno respeito e amizade, de uma verdadeira colegialidade nas colaborações, de troca e de diálogo. Da comissão se espera exemplarmente um debate teológico sereno e construtivo, no respeito do carisma do Magistério eclesial e na consciência da alta responsabilidade à qual é redirecionada a vocação dos teólogos e teólogas na Igreja.

Somos chamados a guardar o verdadeiro rosto da teologia católica constituído da mediação cristológica e eclesial da fé. O seu verdadeiro objeto a teologia não pode encontrar em outro lugar senão na fé testemunhada pela Igreja na auto-revelação de Deus na pessoa e na história de Jesus de Nazaré. Esta auto-revelação visa assegurar que “os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, tenham acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina” (Constituição Dogmática Dei Verbum, 2).

A relação particular da ciência teológica com a Igreja não pode reduzir-se a uma realidade tão somente externa. A teologia deve antes, por sua essência, levar o contributo da problemática especificamente teológica na forma e na mediação eclesial da fé e pressupor, por outro lado, como princípios próprios, os artigos de fé testemunhados pela Igreja.

Bento Papa; Bento Pai; Bento Pastor

Aproximando-nos do segundo aniversário da renúncia do Santo Padre Bento XVI ao Pontificado, nosso coração e mente rememoram àquele nebuloso dia 11 de fevereiro de 2013, quando toda a Igreja assistia pasma e triste ao pedido de demissão do cargo daquele que é – sem dúvida! – um dos maiores Pontífices que a Igreja já pode usufruir e pela qual foi firmemente guiada.

Se pudermos fazer uma definição precisa de Bento XVI – coisa a meu ver muito difícil – ousaríamos defini-lo com três palavras que explicitam bem a sua figura: Papa, Pai e Pastor. Sim, ele consegue reunir em si inumeráveis qualidades, dentre as quais estas três que mais nos saltam aos olhos na sua imagem terna, amorosa e sapientíssima.

Não obstante os constantes ataques e a má impressão que construíram em volta de sua imagem, o tímido Papa alemão conquistou de forma impressionante aos fiéis, com homilias profundas, palavras tocantes, mas sobretudo por gestos simbólicos.

Convém recordarmos as sábias palavras de Dom Henrique Soares da Costa, hoje Bispo de Palmares, que à época da eleição de Ratzinger, escrevera:

Muitos estão dizendo: esse Papa é sem carisma; não é comunicativo, é conservador. Mas, que é um papa? Seria um comunicador pop? Não! É o Bispo de Roma, escolhido para ser o pastor maior da Igreja de Cristo, testemunhando o Senhor diante do mundo. A única pergunta que Jesus fez a Pedro, antes de confirmá-lo no seu ministério foi esta: “Tu me amas?” Não perguntou ao Pescador da Galiléia se tinha jeito com o povo, se falava mais de um idioma, se era conservador ou progressista… O que os católicos esperam do Santo Padre, o que a Igreja espera, é que seja fiel ao Evangelho e à Tradição Apostólica perenemente guardada pela Igreja sob a guia do Espírito do Ressuscitado. É este Evangelho, crido, guardado e anunciado na Igreja e pela Igreja que ilumina o mundo com a luz de Cristo.

Nosso Senhor não perguntou a Pedro os seus atributos, mas apenas se o amava. Ratzinger é um homem que, mesmo com inúmeras qualidades, não se vangloriou disto e tampouco humilhou os demais, mas sempre colocou-se como aquele último servo, “humilde trabalhador da vinha do Senhor”. Mas tal fora sua humildade que o Senhor quisera elevá-lo por todas as suas qualidades.

Hoje só podemos agradecer a Deus por tão grande Papa a nós concedido. O fiel discípulo não se mede pelas vestes, pelos sapatos, pelas cruzes, mas pelo coração, pela vida de doação e pela entrega sem reservas de si e do seu conhecimento. E isto fez o nosso amado pastor, pai, mestre, enfim… quantos títulos pudermos dar-lhe. Bento, a partir de 19 de abril de 2005, não se tornou apenas um nome a ser aclamado, mas um modelo a ser reverenciado, uma sabedoria a ser escutada, um pai a ser amado, um pastor a ser seguido.

É este homem que não negligenciou em momento algum ao chamado do Senhor; ao contrário, segui-o fielmente. Não se exaltou, mas procurou exaltar o Senhor; não amou o poder, mas amou a Deus. O seu silêncio foi quebrado muitas vezes pelas palavras fortes e revigorantes. Nunca precisou gritar para tocar os homens; nunca elevou a voz para fazer com que penetrasse a palavra de Deus nos corações, uma vez que tudo o que diz torna-o um “novo Crisóstomo” (boca de ouro).

Longa vida a ti, amado Papa!

Maria: Portadora de Jesus, a verdadeira Paz

“Que Deus nos dê a sua graça e a sua bênção, e sua face resplandeça sobre nós”. Assim aclamamos com as palavras do Salmo 66 à primeira leitura que contém a narrativa da antiga bênção sacerdotal sobre o povo da aliança. Celebramos neste primeiro dia do ano a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. É bom iniciarmos um ano louvando a Deus pelos benefícios que realizou em Maria, e ao mesmo tempo louvá-Lo pelo mistério do Natal que completa hoje o ciclo das suas oitavas. Com este desejo é que expresso minhas saudações de um cordial feliz e santo ano novo aos nossos leitores e amigos.

Ao celebrarmos a Festa da Theotokos, queremos render graças a Deus porque em Maria nós aprendemos a contemplar a divindade e a humildade d’Aquele que veio ao nosso encontro e falou ao nosso coração, nos convidando a uma abertura sincera e comprometedora, deixando-nos moldar pela sua graça que perpassa o tempo e nos alcança desde a sua plenitude (cf. Gl 4,4). No limiar de um novo ano queremos celebrar o Dia Mundial da Paz. Já na primeira leitura, tirada do livro dos Números, podemos destacar a tripla menção do nome de Deus evocada na bênção que os sacerdotes pronunciavam sobre o povo israelita nas grandes festas religiosas. Esta vem como promessa de vigor, felicidade e dom de Deus: “Que o Senhor… te conceda a paz!” (6, 26); e o que pedimos hoje é isto: Que o Senhor conceda a cada um de vós, às vossas famílias, aos lugares frequentemente associados a conflitos armados, e ao mundo inteiro, a paz.

No decorrer da história, de fato, entre os trágicos acontecimentos, sentimos o peso das guerras que não foram superadas e continuam a marcar a vida da sociedade. O homem contemporâneo, não menos que os de outrora, vê seu país e a sua própria realidade sendo dilacerada pelos conflitos que se predispõem a um domínio passageiro e que finda no termo da vida desses que agora suspiram ameaças de morte.

Iniciamos este ano pondo-nos no caminho da paz e da reta consciência de dignidade, com a qual entendemos que nenhum homem pode violar o direito da liberdade de outrem, como nos recorda o Papa Francisco na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano: “Já não escravos, mas irmãos”. Em Cristo, Deus nos irmanou, nos fez dignos de sermos chamados filhos seus, como nos recorda São Paulo na segunda leitura (cf. Gl 4,6-7).

Mas há muitos que colaboram para a ausência da verdadeira paz quando se omitem a cumprir fielmente o dever que lhes fora confiado e a verdade que não defendem. Penso – como nos recorda ainda o Papa Francisco – naqueles que “para enriquecer, estão dispostos a tudo” (Mens. Dia Mundial da Paz 2015, nº 4) e se apoiam nos esquemas de corrupção, fechando-se ao clamor dos que estão desfavorecidos, quer pelo sistema, quer pelas condições sociais ou religiosas.  Que o Senhor conceda a estes que tem a sua dignidade deformada e a imagem de filhos de Deus manchada a graça de colocarem a mão na consciência para que, conclamados ao perdão, abram-se à misericórdia divina e sejam solícitos para com os irmãos que são, como eles, imagem e semelhança de Deus.

Hoje nós rezamos a fim de que a paz, anunciada pelo anjo aos pastores na noite santa, firme-se em lugar da violência: «Super terram pax in hominibus bonae voluntatis» (Lc 2, 14). Que o Senhor aparte de nós a violência e a injustiça: Cede lugar para que reine a alegria, o amor e a esperança. Abrace os homens secos pela falta de amor. Quem não ama, esse sim, está desprevenido, torna-se vulnerável aos seus instintos; usa da junção de corpo e alma para tramar o mal e passa a ser apenas um ser instintivo que maquina ardilosas e pérfidas ideologias. Se o amor pode tornar o mau, bom; o infeliz, feliz; o individualista, fraterno; o velho, novo; a falta de amor pode gerar homens findados em si, velhos interiormente, infelizes por nada conseguirem a seu modo. Abramo-nos ao amor! Deixemo-nos cativar pelo brilho que vence as lágrimas da tristeza. Que Vós, Rei da Paz, faça da morte, vida; do medo, coragem; da descrença, esperança.

Na carta aos Gálatas, que hoje escutamos, Paulo nos apresenta a adoção filial como um resumo da obra salvífica de Cristo na humanidade. Como parte resguardada nesta ação de salvação encontra-se a figura da maternidade divina de Maria, a Theotokos. Escreve ele: “Mas, ao chegar a plenitude dos tempos Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher, sujeito à Lei” (4, 4). Maria é a Mulher por excelência! N’Ela Deus operou o início do seu mistério redentor permitindo que concebesse o Verbo encarnando. Oito dias depois do Natal, portanto, essa festa encontra-se justamente colocada. De fato, antes do Concílio Vaticano II, a Maternidade Divina tinha lugar no dia 11 de outubro e a 1 de janeiro era celebrada a memória da Circuncisão do Senhor. Essa mudança, entretanto, não evidencia uma atenção menor ao Cristo. Pelo contrário, diríamos que antes de contemplar-se a figura de Maria, Cristo é imprescindivelmente o primeiro contemplado, uma vez que é por meio d’Ele que todas as coisas acontecem e se voltam.

O sentido do termo “plenitude” não só faz o cumprimento das profecias messiânicas como também assume o momento central da humanidade, um sentido absoluto de Deus que dá a sua Palavra – Verbo – definitivamente na história humana. Como recorda-nos o Santo Padre Bento XVI: “na perspectiva cristã, todo o tempo é habitado por Deus, não há futuro que não seja em direção a Cristo e não existe plenitude fora de Cristo” (Homilia, 1 de janeiro de 2011).

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O Evangelho nos faz alusão do silêncio e da discrição que marcam a feminilidade da figura da Mãe: “Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração” (Lc 2, 19). Conservar os mistérios de Deus é virtude e atitude de sabedoria diante de tantas propostas adversas ao querer divino. A palavrar olhar em italiano se traduz como “guardare”. Em português poderíamos dizer que essa assume um sentido ulterior: Não basta olharmos o Menino deitado na manjedoura; não basta olharmos Jesus se não o guardamos em nosso coração e não fazemos d’Ele o nosso guia e a centelha de esperança num mundo marcado pelo desprezo e pela falta de fé. Podemos observar na história que todas as buscas que foram obstinadamente direcionadas ao próprio homem, e não a Cristo, deram lugar aos conflitos armados e à escravidão.

Para conservar os mistérios de Deus devemos manter o silêncio, a sobriedade e o respeito. Numa sociedade de tantos barulhos, São Francisco de Sales já advertira: “O bem não faz barulho, e o barulho não faz bem”. Que a singeleza de Maria seja também a nossa singeleza no trato com as coisas de Deus. O verdadeiro bem não é aquele que é explicitado ou aquele que fazemos questão de divulgar, mas sim aquele que oculta-se sob a humildade de Deus. Cristo desce numa noite de silêncio, segundo a liturgia belamente nos faz cantar: “Quando um profundo silêncio envolvia todas as coisas e a noite estava no meio do seu curso, a vossa Palavra omnipotente, Senhor, desceu do seu trono real” (Ant. ao Magn. 26 de Dezembro).

Na escola de Maria queremos pedir que o Senhor nos conceda a graça do discernimento e da escuta atenta à Palavra. “Podemos ter a certeza: se não nos cansarmos de procurar o seu rosto, se não cedermos à tentação do desencorajamento e da dúvida, se mesmo entre as muitas dificuldades que encontramos permanecermos sempre ancorados a Ele, experimentaremos o poder do seu amor e da sua misericórdia. O frágil Menino que a Virgem mostra hoje ao mundo, nos torne artífices de paz, testemunhas d’Ele, Príncipe da paz” (Papa Bento XVI, Homilia, 1 de janeiro de 2008).

A glória da humanidade na glória de Deus (Solenidade do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo)

Nesta noite, marcada pela esperança novamente cintilante, o Senhor desce ao nosso encontro, se faz um de nós e, assumindo esta condição, abre à humanidade as portas da salvação e da vida nova. A antífona da Missa nesta noite santa inicia-se com as palavras do salmista: “Dominus dixit ad meFilius meus es tu, ego hodie genui te – O Senhor me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2, 7). Essa frase, que primariamente pertencia ao rito da coroação do rei de Israel que em seu chamamento era introduzido como “filho de Deus”, hoje é usada pela Igreja no reconhecimento da filiação divina de Cristo e da sua eterna geração no Pai.

O salmo 2º é uma leitura prefigurativa daquele menino frágil e indefeso que hoje desce à terra, repleto de majestade e poder, tendo como único sinal a humildade e o canto dos anjos, que ouvimos no Evangelho. Aquele que é gerado por Deus desde toda a eternidade aceita também ser gerado no ventre de Maria, submetendo-se à condição da temporalidade e da morte. Ele é verdadeiramente Deus conosco! Ainda hoje o Filho – professado no Credo como consubstancial ao Pai – continua a ser gerado em Deus. Hoje também Deus vem ao nosso encontro, fala ao nosso coração e quer ser acolhido por cada um de nós.

Santo Irineu de Lyon escrevera de forma significativamente profunda: “O esplendor de Deus dá a vida. Consequentemente, os que veem a Deus recebem a vida. Por isso, aquele que é inacessível, incompreensível e invisível, torna-se compreensível e acessível para os homens, a fim de dar a vida aos que o alcançam e veem. Assim como viver sem a vida é impossível, sem a participação de Deus não há vida… Ao mesmo tempo [o Verbo], mostrou também, por diversos modos, que Deus é visível aos homens, para não acontecer que, privado totalmente de Deus, o homem chegasse a perder a própria existência. Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus” (Lib. 4,20,5-7:Sch 100, 640-642.644-648).

Com o seu nascimento Jesus nos permite participar de Deus. Nós recebemos a verdadeira vida! Se em primeiro plano o pecado parecia ter vencido o homem decaído, em última instância há sempre a graça de Deus e aquele sinônimo que devemos atribuir-lhe: “amor”.

Onde há reconhecimento da glória de Deus, há de igual forma vida e esperança. Onde não se dá glória a Deus se dá glória às ideologias subjetivas e contrárias ao verdadeiro sentido da fé e da vida. Onde Ele não é adorado, mas antes, é desprezado e negado, prevalecem os obstáculos entre o divino e o humano: Ele não pode falar e tampouco ser escutado.

Irineu reafirma que Deus se compraz e é glorificado no “homem vivo”. Que coisa podemos entender destas palavras? Que sentido possui a vida nesta noite em que o seu Autor assume nossa condição? Poderíamos responder a estas perguntas com a mesma afirmação paulina escutada na segunda leitura: O homem vivo é aquele que abandona a impiedade e as paixões mundanas e vive neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade (cf. Tt 2,12). Quanta injustiça e impiedade imperam no mundo onde Deus deveria reinar! Quantos homens velhos que não se abriram ao Menino que vem, permanecendo, assim, na dramática situação narrada pelo Profeta Isaías: “Botas de tropa de assalto, trajes manchados de sangue…” (Is 9,4). A marca do exílio israelita na Assíria ultrapassa os limites históricos e assume uma dimensão espiritual e sempre atual. Ainda hoje podemos acompanhar a catastrófica situação dos prófugos e refugiados, de modo particular os cristãos do Oriente Médio, forçados a deixarem sua pátria pela realidade que se lhes sobreveio, ou, muitas vezes, rejeitados em outros lugares. Mas a profecia de Isaías estende-se com uma consoladora promessa: “… tudo será queimado e devorado pelas chamas”. Como não rezarmos nesta hora: Sim, Senhor, sabemos que onde não existem homens vivos não haverá vida digna. Fazei brilhar a vossa luz sobre aqueles que praticam a impiedade e a injustiça. Queimai os calçados ruidosos e os trajes manchados de sangue, sobretudo os daqueles que negam o direito à vida aos indefesos: que ainda não nasceram ou os que já estão acometidos pela fragilidade da idade avançada. Sejais Vós a verdadeira vida numa sociedade que se ampara na lógica da força e do poder e nega-se a abraçar a humildade e ser portadora da “grande alegria” comunicada pelos anjos aos pastores.

Voltemos ainda à afirmação de Irineu: “A vida do homem é a visão de Deus”. A leitura do profeta Isaías nos faz relato de um caos primígeno, já transcrito no início do livro dos Gênesis, quando ainda nada tivera sido criado. O caos é uma não-vida, portanto, uma realidade tenebrosa, obscura. Com este pressuposto, a frase de Irineu que atribui a visão de Deus, isto é, a sua ação, à vida do homem, entrelaça-se com a primeira leitura e podem ser postas lado a lado. O pecado quebra a harmonia da criação e restabelece a realidade primitiva: quando a mão de Deus nada tivera criado havia somente o caos, o prenúncio da morte. Desta forma, somente se permanece alimentado pela esperança e pela certeza da ação de Deus, o homem pode passar da morte à vida, pode ser visão de Deus e pode ser glória para Deus.

No fim, podemos pensar que o próprio Filho de Deus entra na História humana de forma visível, subjuga-se ao tempo (Chronos) e às condições físicas do homem. Poderíamos perguntar-nos: Como receberíamos Jesus hoje? O que faríamos se Maria e José batessem hoje à nossa porta? Quando Deus quis entrar no tempo dos homens, os homens quiseram sair do seu tempo (Chronos) e do tempo da Graça (Kairós). Criaram, por conseguinte, subterfúgios e, como Adão, esconderam Dele o seu rosto. É certo que a glória de Deus em sua totalidade só poderá ser contemplada quando estivermos purificados de todas as nossas faltas e participarmos do convívio dos eleitos. Mas Deus nos permite, pelo nascimento de Seu Filho, contemplarmos de antemão a prefiguração do Seu poder e da sua glória.

O Evangelho nos relata o cenário que Maria e José encontraram na fria noite em Belém. Mais do que hospedarias fechadas para um pobre casal, os corações encontravam-se cerrados no comodismo e no egocentrismo. Quem está fechado em si não se dá conta de que Deus mesmo está a bater à sua porta e que pede espaço e abrigo. Bateu outrora nas hospedarias em Belém e não encontrou lugar. Bate também hoje e não encontra espaço porque estamos atarefados com coisas pretensamente “importantes”. O tempo para Deus parece tornar-se cada vez mais escasso e disputado com o ativismo das tarefas diárias. A ausência de lugar para o Menino foi aprofundada e aludida na sua essência pelo evangelista João ao escrever: “Veio para o que era Seu, e os Seus não O acolheram” (Jo 1, 11).

Peçamos que o Senhor nos conceda um coração aberto a acolhê-Lo. Peçamos que o nome de Deus seja solevado e a salvação entre em nossos lares por meio d’Aquele que hoje pede o nosso amor, a nossa atenção e os nossos cuidados. Faze que reine a Paz como promessa do Teu Reino ao reconhecermos que sem Vós toda paz é utópica e toda ideologia é falha. Que a Tua Luz nos conduza à Belém para também nós adorarmos o mistério que ali se fez alcançar. Amém!

Cardeal Burke: A “plenitude do poder” não é poder absoluto

P: Muitas pessoas temem que finalmente o Sínodo utilizará uma linguagem dupla. Certas razões “pastorais” são usadas para mudar de fato a doutrina. Tais temores são justificados? 

R: Sim, são. Com efeito, um dos argumentos mais insidiosos utilizados no Sínodo a fim de promover práticas contrárias à doutrina da Fé é esta aqui: “não tocamos na doutrina, cremos no matrimônio com a Igreja sempre acreditou; realizamos apenas mudanças na disciplina”. Todavia, na Igreja católica isso nunca pode existir, pois, na Igreja católica, a disciplina está sempre ligada diretamente ao ensinamento. Em outras palavras: a disciplina está a serviço da verdade da Fé, da vida em geral na Igreja católica. Logo, você não pode dizer que você muda a disciplina e que isso não tem efeitos sobre a doutrina que ela protege, salvaguarda ou promove.

P: Devemos sempre acreditar que a Bíblia é a autoridade suprema na Igreja e que ela não pode ser manipulada, nem mesmo pelo Papa e os bispos?

R: Absolutamente. A palavra de Jesus é a verdade à qual somos chamados a obedecer e, por primeiro, à qual o Santo Padre deve obedecer. Durante o Sínodo, às vezes foram feitas referências à plenitude do poder do Santo Padre, dando a impressão de que o Santo Padre poderia até, por exemplo, dissolver um casamento válido que foi consumado. E isso não é verdade. A “plenitude do poder” não é poder absoluto. É a “plenitude do poder” de fazer o que Cristo nos pede para fazer, em obediência a Ele. Portanto seguimos Nosso Senhor Jesus Cristo, a começar pelo Santo Padre.

P: Um arcebispo disse recentemente: “Evidentemente seguimos a doutrina da Igreja sobre a família”. E acrescentou: “até que o Papa decida de modo diferente”. O Papa tem o poder de mudar a doutrina?

R: Não, é impossível. Sabemos o que o ensino da Igreja sempre foi. Ele foi expresso, por exemplo, pelo Papa Pio XI, em sua carta encíclica Casti connubii. Ele foi expresso pelo Papa Paulo VI na Humanae vitae. Ele foi expresso de um modo magnífico pelo Papa São João Paulo II na Familiaris Consortio. O ensinamento é imutável. O Santo Padre atribui a função de manter esse ensinamento e apresentá-lo com novidade e frescor, mas não mudá-lo.

(Excerto da entrevista do Cardeal Burke ao LifeNews)